Engenheiros do Hawaii – “10.000 Destinos – Ao vivo”
Gravado no antigo Palace, em São Paulo, durante a turnê de “¡Tchau Radar!”, e lançado em junho de 2000, “10.000 Destinos — Ao vivo” foi o terceiro álbum ao vivo da carreira dos Engenheiros do Hawaii. Àquela altura, o grupo somava 15 anos de estrada, contando com apenas um integrante original, Humberto Gessinger. A decisão seguia um padrão adotado pela banda, de registrar um disco ao vivo após cada quatro trabalhos de estúdio (uma homenagem assumida ao trio canadense Rush, que construiu a carreira assim). Poderia ter caído na redundância em termos de repertório, mas com os Engenheiros as coisas sempre são peculiares e mais interessantes.
Para começo de conversa, não é apenas um disco ao vivo “puro”, ele traz quatro faixas de estúdio, que, na edição original, em CD duplo, estavam isoladas no CD 2 — e, nesta edição, que apresenta a obra pela primeira vez em vinil, fecham o lado B do segundo disco. Duas delas são composições inéditas bastante inspiradas, “Números” e “Novos Horizontes”. A primeira, com uma linda frase de Santo Agostinho repetida no refrão, “a medida de amar é amar sem medida/ velocidade máxima permitida/ a medida de amar é amar sem medida”, é um emocionante objeto de culto entre os fãs. Na letra, Humberto Gessinger enumera informações supostamente aleatórias, antes de indagar, sistematicamente: “E eu? O que faço com esses números?”. “Novos Horizontes”, por sua vez, acabaria sendo valorizada como faixa-título de outro trabalho ao vivo, “Acústico: Novos Horizontes”, registrado em 2007, também em São Paulo.
As outras duas faixas de estúdio em “10.000 Destinos — Ao vivo” são regravações surpreendentes. Uma resultou em versão revigorada de “Rádio Pirata”, do RPM, — com direito a participação do ex-líder do grupo, Paulo Ricardo. Na época, Humberto Gessinger disse que, em princípio, lhe soava “meio incestuoso” trabalhar com um colega de geração, cantando com os maneirismos característicos dos anos 1980, mas contou que Paulo acabou entregando tudo exatamente daquele jeito esperado. “Nem precisou pedir”, comentou Humberto, satisfeito, ao Jornal do Brasil. Em outro front de repertório, “Quando o Carnaval Chegar”, de Chico Buarque, é a faixa de encerramento. Tensa e concisa, menos de 80 segundos, ela acrescenta um travo rock’n’roll ao recado do gênio da MPB nos anos de chumbo. Mas esses são apenas os aditivos à obra: este álbum é cultuado por registrar ao vivo uma poderosa formação do Engenheiros do Hawaii, admirada pelo punch com que apresentava os hits e os clássicos do grupo. Poucos trabalhos live do rock nacional têm essa pressão. Luciano Granja (guitarra), Adal Fonseca (bateria) e Lucio Dorfman (teclados) já haviam mostrado sua força no estúdio em “Minuano” (1997) e “¡Tchau Radar!” (1999). Em “10.000 Destinos — Ao vivo”, o anúncio de “chegou a hora: o bicho vai pegar, ao vivo e agora” antes do show, é cumprido com uma avassaladora surra de hits, encorpados por eletrizantes solos de guitarra e com sério upgrade no estilo porrada & técnica do baterista Adal Fonseca.
No meio desse animado tiroteio, Humberto Gessinger e seu contrabaixo não se esquivam, ocupam todas as posições possíveis. Nos hits em forma de hino “Pra Ser Sincero” e “Somos Quem Podemos Ser”, o band-leader não abre mão do seu fretless, dialogando com a plateia com a energia lá em cima. A versão de “Somos Quem Podemos Ser” é apontada por críticos e fãs como a melhor da carreira do grupo — e para isso conta a magia do solo prog de Lucio Dorfman. Duas pepitas do álbum “Gessinger, Licks & Maltz” (1992), “Ninguém = Ninguém” e “Parabólica”, aparecem muito bem representadas. E não falta um momento disco dance inusitado em “O Papa é Pop”.
Honra seja feita também ao convidado mais do que especial do disco: Renato Borghetti, anunciado como “um grande amigo nosso, um grande músico gaúcho”. Sua gaita ponto virtuosa empresta delicadeza e novos sentidos aos clássicos “Toda Forma de Poder” e “Refrão de Bolero”.
“10.000 Destinos — Ao vivo” recebeu Disco de Ouro pelas vendagens e gerou outros produtos de sucesso. O primeiro foi uma previsível versão em DVD (também saiu em VHS, quando o formato já ensaiava sua saideira), com quatro videoclipes, um making of e mais três músicas do show que não haviam entrado no disco (“Eu Que Não Amo Você”, “Negro Amor” e “Sopa de Letrinhas”). No ano seguinte, 2001, viria “10.001 Destinos” em CD duplo, com mais sete regravações, feitas com nova formação, com Paulinho Galvão na guitarra, Bernardo Fonseca no baixo e Gláucio Ayala na bateria.
“10.000 Destinos — Ao vivo” embalou uma megaturnê nacional, com direito a estreia no Canecão, no Rio de Janeiro, e mais 100 datas Brasil afora. Pode parecer um tanto quanto paradoxal um disco com registro de show gerar mais atividade estradeira, mas… estamos falando de uma banda em um período especial, falamos de Engenheiros do Hawaii. Sempre peculiar, sempre surpreendente.
Pedro Só
Lista de faixas “10.000 Destinos – Ao Vivo”
Disco 1:
Lado A
1) “A Montanha” (Humberto Gessinger)
2) “Infinita Highway” (Humberto Gessinger)
3) “A Promessa” (Humberto Gessinger/ Paulo Casarim)
4) “Ninguém = Ninguém” (Humberto Gessinger)
Lado B
1) “Parabólica” (Humberto Gessinger/ Augusto Licks)
2) “Toda Forma de Poder/ Ilusão de Ótica” (Humberto Gessinger)
3) “Refrão de Bolero” (Humberto Gessinger)
4) “Somos Quem Podemos Ser” (Humberto Gessinger)
5) “Pra Ser Sincero” (Humberto Gessinger/ Augusto Licks)
Disco 2:
Lado A
1) “Piano Bar” (Humberto Gessinger)
2) “Alívio Imediato/ Ilex Paranaguariensis” (Humberto Gessinger)
3) “Terra de Gigantes/ Quanto Vale a Vida” (Humberto Gessinger)
4) “Era Um Garoto Que Como Eu Amava Os Beatles e os Rolling Stones” (M. Luzini/ Franco Migliacchi) – Versão: Brancato Junior
5) “Ouça O Que Eu Digo, Não Ouça Ninguém” (Humberto Gessinger)
Lado B
1) “O Papa É Pop/ Cruzada” (Humberto Gessinger) (Tavinho Moura/ Márcio Borges)
2) “Números” (Humberto Gesssinger)
3) “Rádio Pirata” (Paulo Ricardo/ Luiz Schiavon)
4) “Novos Horizontes” (Humberto Gessinger)
5) “Quando o Carnaval Chegar” (Chico Buarque)