Ludom condensa seu percurso no mundo em novo disco autointitulado e abraça a vulnerabilidade como resistência

Antes Luciane Dom, artista inaugura nova etapa da carreira em seu segundo álbum de estúdio, que traz 11 faixas que costuram suas referências musicais – que mesclam MPB, hip-hop, gospel e afro-jazz, e embalam seu processo de autodescoberta

Com participação de Bia Ferreira, o trabalho tem produção musical coletiva e traduz o percurso feito pela artista, que passou os últimos anos entre turnês no Brasil, Canadá, Chile, Colômbia e Estados Unidos, e agora mescla diferentes diásporas ao seu som

Ser doce e intensa, entre o cuidado e a rebeldia: esse é o caminho que Ludom constrói para apresentar seu segundo disco, “Ludom”, que chega às plataformas digitais neste 5 de novembro, quarta-feira, pelo selo Toca Discos, braço fonográfico do antológico estúdio Toca do Bandido, com distribuição da Universal Music Brasil. Sete anos após seu disco de estreia (“Liberte Esse Banzo”, 2018), a cantora, compositora, produtora musical e historiadora chega ao novo trabalho traduzindo em canções de abordagem pop todo o percurso feito por ela e por sua música na última década, quando se firmou como um nome fora do Brasil. Entre a bagagem que acumulou em turnês no Canadá, Chile, Colômbia e Estados Unidos, e o desejo de se projetar ainda mais nacionalmente, Ludom está pronta para se jogar no mundo, sem medo de ser quem é.

Ludom”, que tem produção coletiva de Felipe Rodarte, Ilarindo, Ludom, Rodrigo Ferrera e Theo Zagrae, direção artística de Constança Scofield, e participação especial de Bia Ferreira, reúne 11 faixas, em composições solo ou em parceria. O disco reflete a caminhada da artista entre a conquista da licenciatura e bacharelado em História na UERJ e suas participações em festivais nacionais e internacionais – como MIMO, SIM São Paulo, Brasil Summerfest (EUA) e B.L.A.C (Canadá) –, além de turnês no Chile, Colômbia, Estados Unidos e França. As referências da MPB, do afrobeat do Fela Kuti e do mantra do Mulatu Astatke se misturam ao rap, hip-hop e gospel, e se condensam em um som afro-diaspórico e refinado, mas ainda assim pop.

O que tem me movido na escuta dos sons é a intenção de cada um deles: os grooves de baixo, guitarras, distorções, e a letra. Quando comecei a escrever o álbum, eu quis falar sobre algo mais sensível, emocional, que tivesse textura e profundidade”, compartilha.

O som complexo e inspirado é carregado pelas letras, que abordam temas como fim de relacionamento, esgotamento mental, questões existenciais e injustiças sociais. Todas as faixas são composições de Ludom, seja em solo ou ao lado de nomes como Kwesi Foli e Davidson Ilarindo; tudo é muito sincero, e é na sinceridade que suas raízes tornam-se profundas e sustentam seu florescimento: “esse disco nasceu num momento em que eu estava lidando com o fim de ciclos pessoais e profissionais, e precisei aprender a ser franca comigo mesma”, reflete. Entre suas fraquezas e franquezas, está a sua vulnerabilidade, bandeira que carrega não só o seu disco, mas o seu processo artístico.

Falar de vulnerabilidade, pra mim, é uma forma de resistência. Porque o mundo espera da mulher negra uma força quase inumana, e eu quis falar das brechas”, a artista explica. Nas frestas dessa janela, são vistas falhas e cansaços, mas também potências, amor, ancestralidade, política e reinvenção. Tudo faz parte do processo de existir com sensibilidade, em um tempo em que a humanidade é deixada de lado sob um pretexto de força intocável e de neutralidade quanto a injustiças.

DE LUCIANE DOM A LUDOM

Conhecida anteriormente como Luciane Dom, Ludom batiza o seu segundo disco com o nome que adotou para sua trajetória artística a partir agora, e não por acaso: “Ludom” marca seu renascimento – uma mulher mais firme, vivida, e ousada; que sabe o que e como dizer; que já viajou muito e pousa onde quer. “Agora tudo cabe. Ludom é essa síntese: mais direta, mais presente do meu eu”, a artista defende.

Em meio a esse processo, então, Ludom chama o público para se conectar a suas melodias, e costurar sua própria história a suas letras; um convite para olhar para dentro e para fora com mais cuidado e calma. Ela reforça: “Esse é o momento em que eu deixo de pedir licença pra existir e simplesmente existo, com tudo o que sou”. Sem o que os outros pensam; agora é a hora de olhar para o que se sente – e se deixar sentir.

FAIXA A FAIXA

O disco abre com “Toda Intensa”, lançado como primeiro single, e que constrói o tom vulnerável que permeia todo o trabalho. Em sonoridade pop, os versos “Toda intensa eu sou / Meio covarde eu já fui” sintetizam a fragilidade de abraçar todos os sentimentos, e esperar que sejam correspondidos.

Na sequência, “Calôbaixô”, segundo single do trabalho, traz o R&B em um arranjo sensual para embalar versos aparentemente românticos, mas que descrevem, na verdade, o desejo da calma e escapismo na figura do ansiolítico, como um “remédio pra curar insônia e um pouco mais”.

Eu Vi na TV” coloca no centro a crítica social, em um cenário de desigualdade, manipulação de informações e violência estrutural. É inspirada pelas experiências de Ludom em Porto Rico durante os apagões e manifestações de 2021, com referências aos grooves de Calle 13. Negralha é a participação dessa faixa.

Mergulhando mais na temática crítica e olhar social afiado para a realidade da América Latina, “A Rua” traz as observações de um mundo em colapso. Por trás da sonoridade dançante, com referência à Sade, vem o refrão: “Sem comida, água, leite quente, como sonhar?”.

Do Jeito Que Tá” constrói um diálogo de desejo e autonomia entre as vozes do eu lírico, em um arranjo R&B moderno e envolvente. Com vocais que se entrelaçam, a faixa destaca a intimidade e as relações que não funcionam.

Cantada em inglês, “I Shrug” reflete o período no qual foi criada (a pandemia da COVID) ao abordar a insegurança e a instabilidade de não saber que caminho seguir – e se vale a pena seguir. Escrita por Kwesi Foli e musicada por Ludom, traz uma melodia delicada, reforçando a sensação de flutuação e introspecção cantada no verso “I’m floating by”.

Iluminados” envolve em uma batida afropop a celebração coletiva e a conexão com o outro, convidando à dança. Também remete aos sentimentos da pandemia da COVID e ao desejo de viver o agora, sem saber o que pode vir a seguir.

As Coisas São” eleva o tom social crítico construído anteriormente, agora com a participação de Bia Ferreira para potencializar a mensagem de revolta quanto à realidade desigual. O verso “As únicas coisas que eu tenho na vida são minha arte e a palavra / O meu nome de registro, o meu like e a minha guitarra” sintetizam a mensagem de abraçar a própria potência e se reconhecer como agente da mudança.

Na sequência, “Não Sabe de Mim” traz a libertação de saber quem se é, e da possibilidade de se reconstruir após um relacionamento. A melodia afropop convida o ouvinte a entrar na dança e também se libertar.

Can’t Hide”, cantada em inglês assim como “I Shrug”, fala sobre os desafios de se expressar e se conectar em um mundo que condena a vulnerabilidade e o acolhimento dos próprios sentimentos. Essa composição foi fortemente pedida durante a turnê de Ludom realizada nos Estados Unidos, entre 2024 e 2025.

Rosa de Lotus” encerra o disco convidando ao renascimento e à transformação. Apresentando o rock and roll à la Ludom, traz a explosão do encerramento em uma catarse sonora, deixando a marca da voz e da potência de Ludom ecoando para quem ouviu.

por Malu Bassan