Na Era de Ouro do rádio e até o final dos anos 1950, as estrelas de maior prestígio e popularidade da música brasileira paravam tudo o que estavam fazendo para, em fevereiro, lançar seus discos com repertório especialmente dedicado ao Carnaval. Essas gravações faziam parte do calendário cultural do país e eram aguardadas pelo público com ansiedade e sede, como a trilha sonora de uma alegria que precisasse sempre se renovar.
Dando um salto de muitas décadas na história, chega às plataformas digitais nesse fevereiro de 2018 o EP “Anavitória Canta para Foliões de Bloco, Foliões de Avenida e Não Foliões Também” (Universal Music). Nele, as meninas do duo Anavitória, duas rainhas do rádio dos tempos modernos, interpretam quatro canções feitas para a festa carnavalesca da nossa era. O centro do recorte é, portanto, a música pop baiana e os blocos afro, terreno fértil de onde a dupla colheu três clássicos para fazer releituras.
“Vem meu Amor” (Silvio/ Guio) é uma pequena obra-prima lançada pelo Olodum em 1992 e regravada pela Banda Eva de Ivete Sangalo cinco anos depois. Anavitória ressaltou a leveza da letra, em uma levada macia, com introdução de vozes e ukulele que vai ganhando peso aos pouquinhos.
Também do repertório da Banda Eva (a versão original é de 1995), “Me Abraça” (Jorge Xaréu/ Roberto Moura) segue o mesmo caminho de delicadeza, com vozes e violão introduzindo o tema para depois a percussão ir chegando devagarinho. O acento pop rural, marca registrada de Anavitória, surge no solo de viola de aço, misturando mar e interior.
A mais bossa nova de todas as canções do EP é a versão de “Baianidade Nagô” (Evandro Rodrigues), outro clássico do Carnaval soteropolitano lançado pela Banda Mel (hoje, Bamdamel) em 1992 e, de tão linda que é, regravado por todo artista pop baiano que se possa imaginar. Na leitura de Anavitória, a “fantasia eterna” de que “quem sabe a paz um dia vença a guerra” une Nara Leão (nas vozes) a Dominguinhos (no instrumental).
Única faixa inédita do EP, “Clareiamô” foi escrita por Ana, Vitória e Saulo Fernandes. As meninas tinham feito a canção juntas em São Paulo. Mas, já na fase de gravação, Saulo teve a ideia de acrescentar mais uma parte. Contribuição imediatamente aprovada, os três viraram parceiros dentro do estúdio. O cantor participa da faixa.
Por todas essas, esse EP só poderia ter sido gravado onde e com quem foi: em Salvador, com os percussionistas da cidade, especialistas nesse universo. A produção ficou sob os cuidados do também baiano Radamés Venâncio, colaborador frequente nos trabalhos de Ivete Sangalo, a quatro mãos com o inglês Paul Ralphes.
O lançamento acontece no contexto ideal: os bailes de Carnaval. A estreia está marcada para o dia 16 de fevereiro, sexta-feira, no Audio Club, em São Paulo. No dia seguinte, sábado, as meninas levam a festa para o Circo Voador, no Rio.
“Anavitória Canta para Foliões de Bloco, Foliões de Avenida e Não Foliões Também” chega ao mundo quatro meses depois de um trabalho nos mesmos moldes, o vitorioso EP dedicado ao público infantil (mas não só a ele), que também trouxe três regravações e uma faixa inédita. Foi um sucesso, como tudo o que as meninas têm feito juntas.
Aliás, comparar Ana Clara Caetano Costa e Vitória Fernandes Falcão às antigas rainhas do rádio está longe de ser exagero. Com pouco mais de dois anos de carreira, as meninas já têm no currículo um Grammy, conquistado com a canção “Trevo (Tu)”, e um disco de ouro, resultado das ótimas vendas do álbum de estreia, lançado em agosto de 2016. Esse trabalho ficou em sexto lugar na lista dos mais ouvidos pelo Spotify no país no ano passado.
Por Marcus Preto