Depois do sucesso no “Clube do Vinil”, chega às plataformas de streaming “Os Tincoãs”, um dos álbuns mais aguardados dos últimos tempos, que traz o canto devoto e revolucionário do trio afro-baiano Os Tincoãs

Por Tárik de Souza
agosto de 2025

Quem chancelou as raízes culturais do grupo baiano Os Tincoãs, da cidade de Cachoeira, no Recôncavo, foi Francis Ifá Akinwelelere Kaniodê, príncipe nigeriano no culto iorubá. “Isso que vocês me mostram é iorubá arcaico, coisa de 250 mil anos de história”, dimensionou. Já o maestro erudito de vanguarda alemão radicado no Brasil, mestre de Tom Jobim, Hans-Joachim Koellreuter surpreendeu-se: “Nunca vi as pessoas cantarem dentro de um tempo e tocarem dentro de outro tempo”. Gilberto Gil, que gravou com João Gilberto, Caetano Veloso e Maria Bethânia o tema do grupo, “Cordeiro de Nanã”, no disco “Brasil”, de 1981, elogiou: Eles foram pioneiros, anteriores a tudo. Sustentaram um compromisso com a dimensão afro-baiana”.

Inaugurado nos boleros por Erivaldo Brito, Heraldo Bozas e Grinaldo Salustiano, o Dadinho, em 1960, num estilo vocal semelhante ao Trio Irakitã, após a entrada de Mateus Aleluia no lugar de Erivaldo, os Tincoãs passaram a adaptar cantos seculares do candomblé, sambas de roda e cantos sacros católicos com vocalizações elaboradas, numa espécie de bossa nova do candomblé.

O impacto da novidade debuta em “Os Tincoãs”, de 1973, direção musical do maestro Lindolfo Gaya e produção do radialista Adelzon Alves. Ele cita na contracapa uma das faixas do disco, a convocatória “Capela D’Ajuda”: “Capela D’Ajuda já deu o sinal/ quem quiser sambar, apareça/ é bem ritmado”. E descreve: “A partir deste momento, a Virgem Santa do Engenho reúne o povo do Recôncavo na sua Capela D’Ajuda, em Cachoeira. Os cantos saem da igreja e dos terreiros de umbanda e candomblé e explodem nas praças e ruas”.

No livro “Nós, Os Tincoãs” (Sanzala Artística, 2017), do qual é um dos organizadores, Mateus situa o fenômeno sociocultural que originou o grupo. “Cachoeira e outras cidades do Recôncavo receberam os primeiros escravizados africanos. E os cantos passaram a ser o dia-a-dia da labuta deles, que aliada à dos portugueses, gerou uma cultura afro-barroca profunda”. O icônico álbum “Os Tincoãs” abre na encantatória “Deixa a gira girá”, proveniente da umbanda: “Meu pai veio d’Aruanda e a nossa mãe é Iansã/ Zambi, nô, Zambi/ Zambi na quatêsá”. No roteiro, com inovações na construção dos arranjos e colocação das vozes, ainda há uma embaladora “Saudação aos Orixás” e um miscigenado “Canto pra Iemanjá”, num quase samba rock. Lirismo pungente brota de “Na beira do mar”, enquanto o cálido “Ogundê” evoca os ancestrais.

Nomeado a partir de um pássaro das matas e do cerrado, os Tincoãs variam sempre de plumagem estética. Dominam diferentes tipos de samba como o buliçoso “Sabiá roxa”, o picotado de roda “Raposa e guará” e a embolada estilizada “Embola embola”. Já a tilintada “A força da Jurema”, irradia o manifesto do grupo: “Eu estou aqui com toda a minha gente/ saravá aos grandes, saravá também aos pequenos/ agogô e rum/ rumpi e runlê/este é o som do candomblé”.

Lista de faixas “Os Tincoãs”:

Lado A

1. “Deixa a gira girá” (Mateus / Dadinho/ Heraldo)
2. “Yansã, Mãe Virgem” (Mateus / Dadinho)
3. “Sabiá Roxa” (Mateus / Dadinho/ Heraldo)
4. “Ogundê” (Mateus / Dadinho)
5. “Na Beira do Mar” (Mateus / Dadinho)
6. “Raposa e Guará” (Mateus / Dadinho)

Lado B

1. “Saudação aos Orixás” (Mateus / Dadinho)
2. “Canto Pra Yemanjá” (Mateus / Dadinho)
3. “Capela D´Ajuda” (Mateus / Dadinho/ Heraldo)
4. “Obaluaê” (Mateus / Dadinho/ Heraldo)
5. “A Força da Jurema” (Mateus / Dadinho/ Heraldo)
6. “Embola Embola” (Mateus / Dadinho)